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sexta-feira, outubro 06, 2006

Aromas da Minha Terra (3)



AROMAS DA MINHA TERRA (3)

1
Depois a ambição das Nações
Deu asas às colonizações
Desenvolveram estratégia Imperial
Jumbo branco ficou, pobre Portugal

2
Quer no Pinda quer na praia da baía
Antes do “camone” construir feitoria
Barretos das Ilhas foram primeiros
Sem lá estarem Algarvios ou Poveiros
Não sei porque raio de razão
Era do Alex o nome da Povoação

3
Madeirenses e Poveiros meus pais
Pescadores dessa terra como tantos
Agora são recordações banais
De vidas doridas, em poesia, encantos

4
Pelo sustento de todos, lutaram
No arrasto, cerco e linha labutaram
Trabalhadores humildes consumidos
Guerreiros de tormentas, enrijecidos

5
Botes enfrentaram o mar, valentes!
Charruando, mágicas redes consistentes
Navegando, velas e motores potentes
A faina foi fruto dessa gente morena
Tripulantes de alma danada, serena

6
Prós pesqueiros a frota se dirigia
Três Irmãos e Chapéu Armado.
Por vezes até o Santo estremecia
Na Ponta Albina, outro afamado

7
Canoa, vela triangular bolinando
Com sacada, sua arte pescando
Lá moravam antes da traina chegar
Na arqueologia teimosamente a brilhar

8
Traineiras, Bota-a-baixo, berrantes
Protectora Senhora dos Navegantes
Vogando, motores a ronronar
Sulcando o azul tapete, indo ao mar
Lá iam, voltavam carregadas
Cheias de sonhos, abençoadas

9
Ziguezagueando, barrigas a brilhar,
Miragens de lantejoulas ao luar
O mar ardia à vista ao borbulhar
Ao largo ou na costa a fainar
O arrais vibrava! Bota-ao-mar!

10
Redes extensas e compridas
No uso da traina partidas
Artes por todos concertadas
Hoje são industrializadas

11
Na enseada navios fundeados
Vindos quiçá de que país imundo
Guano nos porões atulhados
Rica mortandade ia pró mundo

12
Na Pesca do Império reza a história
Foi porto primeiro, não há memória
Sardinha e charro gordo fedorento
Afamou a terra de cheiro pestilento

13
A escala secava no estendal
Quadro que parecia um carnaval
Ficou na memória a tarimba
Tela que não vi mais ainda


14/Fevereiro/2006
Abel Marques


Explicação de Aromas 3

1º poema - “Jumbo Branco” (Elefante Branco), tal como depreciativamente chamamos aos empreendimentos megalómanos portugueses, continuamos na pobreza, embora as colónias nos tivessem proporcionado um manancial de riqueza.

2º e 3º - As velhas senhoras. Meu bisavô materno, João de Sousa Barreto, natural da Ilha da Madeira, recebeu um quinhão de terra na zona do Pinda, oferecido pelas autoridades portuguesas. Do casamento de meu bisavô nasceram seis filhos, dos quais, um deles é meu avô, todos nascidos no Pinda. Entretanto, deixaram esta povoação e deslocaram-se cerca de seis quilómetros para Sul, devido à riqueza piscatória (Angra das Aldeias, mais tarde Porto Alexandre), desabitada. Quando o explorador Sir James Alexander por lá passou, em 1835, já havia portugueses e em 1860 surgem os colonos de Olhão pela primeira vez. A colónia da Póvoa de Varzim chega a Porto Alexandre em 1921. Podemos dizer que os primeiros foram os madeirenses e não os algarvios como alguma documentação faz crer. E mesmo que tivessem sido os algarvios os primeiros, não encontro justificação para o local obter um nome estrangeiro (Sir Alexander).

. Locais da matança. Esta quadra identifica os mais importantes bancos de pesca: Três Irmãos, Chapéu Armado, Ponta Albina e Saco da Baleia (este não introduzido por insonora cadência e rima). Eram também locais muito perigosos quando o vento era garroa.

. As artes. Sacada é uma arte de pesca com canoas (embarcações tipo canoas do Tejo), primeiras no local, à vela, muito antes de surgir a traina (ou traineira). Para a arqueologia, estas peças são muito importantes. Basta visitar o Museu de Marinha.

- O trinar festivo. No nascimento/baptismo das traineiras, uma festa tradicional se impõe. O bote é benzido pelo pároco e a garrafa de champanhe é quebrada na sua proa. Em simultâneo, o barco escorrega por um carril, previamente preparado, para dentro da água. É a “Festa do Bota-a-Baixo”. Quando o barco não desliza imediatamente por qualquer razão, é presságio pela certa. Entretanto, as outras embarcações e traineiras berram com as suas buzinas e foguetes. É como se fosse o nascimento de um filho. Os donos e convidados vão comer e beber no baptismo do barco, tal como nos nossos baptismos.

- O canto da fartura. Esta quintilha descreve os grandes cardumes ao luar. Quando o peixe é muito, dentro da água, os arrais preparam-se para mandar largar as redes. O peixe, pressentindo o perigo pelo ruído dos motores, junta-se revolvendo-se (virando a barriga pela quantidade, confuso) e corre em ziguezague. Vêm-se as bolhas de espuma à sua passagem parecendo água a arder, parece que a água do mar tem fogo, porque está luar. “Miragens” (imagens no deserto devido ao ar excessivamente quente) são visões irreais. A espuma é uma mancha grande e brilhante que passa no poema a ser miríades de “lantejoulas”. Perante o cardume, o arrais ordena “Bota ao Mar”, traduzindo a ordem para o mestre das argolas (mestre da popa do barco) lançar a rede ao mar (lanço). Um só lanço podia eventualmente carregar um barco de 40 ou 50 toneladas. Comparativamente, na costa portuguesa, um lanço, considerado muito bom, pode encher 10 ou 12 caixas que cabem num convés, representando cerca de 1500 kg. Por este exemplo podem imaginar a dimensão do facto.

10º - Esta quadra é uma crítica à indústria. Antigamente quando as redes se rompiam, toda a gente (conversando) tratava delas. Coziam-nas tradicional e culturalmente. Hoje, são comparativamente baratas pelo que, é usar e deitar fora. Por vezes não compensa consertá-las.

11º - Fartura/desperdício. Trata-se de uma crítica à insensibilidade para os problemas ecológicos. Matava-se toneladas de peixe pura e simplesmente para adubar as terras. Sabemos quanto hoje isto faz falta a toda a humanidade. Hoje os pescadores são pagos para pararem, isto é, para não destruírem completamente os pesqueiros, já consideravelmente depauperados. Surgiam na enseada navios (estrangeiros e portugueses) que eram carregados com farinha de peixe (guano), exportação da mortandade para o mundo. Pagava-se pela mortandade valores extremamente baixos, cuja divisa estrangeira entrava nos cofres de Império. Aos armadores chegava dinheiro sem qualquer valor (Angolares).

12º - As honras do Império. Na história da pesca, foi considerado o primeiro porto em números. Tonelagem capturada, número de barcos, arqueação bruta e pescadores. Quanto mais peixe capturado, mais mal cheirava a terra e bom era o ano económico. Por isso, era conhecida pela terra do mau cheiro, pelo peixe apodrecido, porque as cabeças e tripas da escala eram deitadas ao mar, voltando à praia e apodrecendo a céu aberto.

13º - O estendal. O peixe escalado e salgado (como o bacalhau) era secado em tarimbas (estaleiro em ripas de madeira ou bordão – espécie de bambu). Era um espectáculo tal grande estrutura fazendo lembrar o estendal da roupa a secar. O peixe depois de seco era exportado para o interior de Angola ou para o ex-Congo Belga e ex-Francês especialmente, mesmo nos anos em que Portugal não tinha relações com estes jovens países independentes.

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